Foram acolhidas oito mulheres; realizadas seis entregas; cinco crianças foram adotadas por famílias do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA); duas crianças permaneceram com as genitoras, uma permaneceu em sua família extensa; e seis dessas mulheres receberam medidas de promoção social.
Iniciado em Mossoró pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) há dois anos, o Projeto Acolher já apresenta uma série de dados importantes para o fortalecimento de políticas públicas que garantam direitos da infância e das gestantes ou puérperas que manifestam interesse em dar a criança para a adoção legal. São mulheres entre 16 e 40 anos, com graus de instrução de não alfabetizada a ensino médio completo, com renda familiar de até dois salários mínimos e sem apoio do genitor.
Essas informações foram apresentadas nesta terça-feira (20), durante seminário promovido pelo MPRN, para capacitar os profissionais da rede de saúde e assistência social sobre a acolhida a essas mulheres. Esse tema em específico foi abordado pela psicóloga da Vara da Infância e Juventude de Mossoró, Isadora Liziane de Oliveira Dantas, na palestra “Estatísticas de dois anos do Projeto Acolher Mossoró: perfil das mulheres atendidas”.
“Garantimos a acolhida a oito mulheres, sendo que seis entregaram as crianças. Outras duas desistiram e puderam exercer o maternar. Com o projeto, impedimos a entrega irregular de uma criança. Uma criança pôde permanecer com seus familiares extensos. Realizamos cinco adoções de recém-nascidos através do Sistema Nacional de Adoção e oportunizamos a todas as crianças o direito à convivência familiar e comunitária”, resumiu Isadora Liziane, acrescentando ainda que o projeto permitiu uma acolhida empática às mulheres, dando informações sobre direitos e também garantindo-os.
De fevereiro de 2019 a fevereiro de 2021 foram realizados oito atendimentos pelo Acolher Mossoró: quatro se deram a partir do encaminhamento feito pelo Hospital Maternidade Almeida Castro; duas vieram a partir das Unidades de Acolhimento do Município; uma a partir da Unidade Básica de Saúde do seu território; e uma por indicação de um cidadão.
Ao chegar ao Acolher, as genitoras estavam em estágios variados da gestação ou já no pós-parto. Uma mulher manifestou o interesse no 2º mês de gestação; uma no 5º; três no 08º mês; e três logo em seguida do parto. Do grupo, uma estava na primeira gravidez, de modo que a maioria tinha mais de dois filhos e uma já tinha um filho.
As idades delas variavam de 16 a 40 anos, com graus de instrução de não alfabetizada a ensino médio completo. Quanto à renda familiar, a maior parte das gestantes faziam parte da classe E (recebendo até dois salários-mínimos) e somente uma na classe D (recebendo de dois a quatro salários-mínimos), segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Sobre o genitor da criança, das oito mulheres atendidas pelo Acolher apenas uma informou para a equipe quem seria o pai da criança, e esta também era a única que convivia com ele. Mesmo não informando para a equipe técnica o nome do genitor, três mulheres contaram que
que eles tinham ciência da gestação, sendo que dois estavam de acordo com a entrega e somente um não estava de acordo.
O não desejo de maternar ou de não querer maternar neste momento de sua vida; não ter condições financeiras para cuidar da criança; não receber apoio do genitor; não receber apoio dos familiares; gravidez na adolescência; deficiência intelectual da genitora; prematuridade da criança; e desconhecimento sobre quem seria o genitor foram os motivos que as genitoras apontaram para levar adiante a entrega da criança para a adoção legal.
Após o protocolo seguido pelo projeto Acolher com essas mulheres, duas desistiram da entrega, ficando com as crianças; e seis efetuaram a entrega voluntária. Desses seis bebês, cinco foram entregues às famílias devidamente habilitadas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e uma das crianças foi entregue a familiar extenso (tia materna da criança). É importante frisar que nenhuma das mulheres que realizaram a entrega apresentaram retratação.
O amparo a essas mulheres também se deu em outros níveis: seis receberam medidas de promoção social ofertadas pela rede socioassistencial do Município e auxílio com questões relacionadas à saúde. Destas, duas ainda buscaram programas de assistência social. Do total de oito mulheres atendidas ao longo desses dois anos, duas não quiseram receber medidas de promoção social.
“O projeto me deu oportunidades”
A dona de casa Roberta*, 27 anos, já tinha dois filhos quando engravidou pela terceira vez. Os planos sempre foram ficar com a criança, porém houve uma complicação. O bebê nasceu no quinto mês de gestação e precisou ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em uma maternidade de Mossoró.
Nessa situação, em meio a um pós-parto delicado, Roberta começou a ficar insegura diante da possibilidade de o bebê ter necessidades especiais. “Achei que não estaria preparada para cuidar de uma criança assim e procurei a assistência social na maternidade para resolver essa situação, que na minha cabeça era sem volta. E ainda bem que simplesmente não fui embora”, relembrou.
As profissionais explicaram quais as opções disponíveis diante da dúvida sobre ficar com o bebê e assim Roberta ficou sabendo da existência do projeto Acolher. “Elas tentaram me entender, recebi muito apoio e fui encaminhada para falar com o pessoal do Ministério Público”, contou.
Seguindo o rito, Roberta foi ao Fórum, tendo sido ouvida em juízo, na presença de integrantes da Vara da Infância, do MPRN (incluindo o serviço social) e da Defensoria Pública. Neste momento ela manifestou o desejo da entrega. Porém, enquanto a sentença estava sendo elaborada, Roberta procurou os representantes do Ministério Público para dizer que tinha desistido da entrega. Foi o momento em que ela soube que ficaria com a criança, que agora está perto de completar dois anos.
“O projeto me deu oportunidades. Que bom que fui apoiada e deu tudo certo. Mas, se eu tivesse precisado terminar o que eu tinha começado, era tudo o que precisava, ser acolhida sem julgamento e ter resolvido isso. Esse suporte é muito importante para a criança e para a mulher”, destacou, lembrando que a participação do marido também foi fundamental para a decisão de ficar com o bebê.
*colocamos nome fictício a pedido da entrevistada, para resguardar sua privacidade
Cinco anos de espera e a tão sonhada ligação veio
Uma das crianças que foram entregues voluntariamente ao projeto foi adotada pela técnica em saúde bucal, Maria da Conceição Sousa, 46 anos, e pelo comerciante Edmar Sousa, 49 anos. Casados há 20 anos, Conceição teve problemas para engravidar e depois que precisou retirar o útero, procurou saber dos trâmites para adotar legalmente uma criança.
Assim, os dois se habilitaram no cadastro nacional em 2015. “Procuramos o programa em 2014. Passamos por entrevistas com uma médica, um psiquiatra e assistentes sociais. E também fizemos o curso que é exigido para a habilitação”, contou Conceição. Inicialmente, escolheram o perfil de crianças de 0 a 1 ano de vida para adotar, mas depois do curso de adoção legal alteraram para de 0 a 5 anos de vida.
O caminho até o desfecho feliz, no entanto, não foi fácil. “Foi um tempo de angústia, chegamos a ser chamados em 2018, mas não deu certo. Essa decepção e demora nos fez pensar em desistir e sair do cadastro”, relembrou. No entanto, os dois receberam a acolhida do projeto. “Uma assistente social conversou conosco e decidimos permanecer na fila da adoção, com mais esperança, porém tentando não criar tanta expectativa”, completou ela.
Em outubro de 2020 a Vara da Infância telefonou para o casal, informando da existência de um recém-nascido e se eles tinham interesse na adoção desse pequeno. Dois dias depois, Gabriel, aos 15 dias de vida, foi entregue aos braços de Conceição e Edmar. Foram cinco anos de espera até receberem a tão sonhada ligação: “eu fiquei toda me tremendo, nem dormi nesse dia. Estava muito feliz e também ansiosa, pensando em tudo que tinha para organizar até a chegada do meu filho. Nossas vidas mudaram para muito melhor”.
A adoção legal garantiu que Conceição gozasse do direito à licença maternidade, permitindo que ela se dedicasse integralmente aos cuidados do bebê por seis meses.